O que se entende por desrespeitar os pais? Existem
limites? Quais?
É comum que, durante a etapa da adolescência, surjam mudanças significativas nas relações
familiares.
Em muitos casos, essas mudanças fazem-se acompanhar de um aumento de conflitos entre pais
e filhos.
A adolescência traz consigo a
necessidade de questionar, de descobrir, de redirecionar. Passa a haver a necessidade de
rever as regras, os valores e até as crenças familiares.
Um/a filho/a mais instável e irritado/a pode tão somente
estar a manifestar, à sua maneira, a necessidade de diferenciação das figuras
parentais, em busca da sua própria identidade.
É comum os jovens manifestarem ataques de raiva,
isolarem-se em quartos fechados, buscarem apoio nos avós ou começarem a
apresentar comportamentos desafiadores ou de risco.
Os adolescentes desafiam o
sistema familiar porque essa é a natureza do desenvolvimento, nem sempre se
trata de uma questão de desrespeito!
Famílias com fronteiras mais flexíveis permitem que o
adolescente se vá experimentando em diferentes territórios, aproximando-se
quando se sente inseguro e afastando-se quando necessita de testar a sua
independência.
Se pelo contrario, os pais, são rígidos
e inflexíveis, não vão facilitando a separação e autonomia do jovem, os jovens
começam a usar meios cada vez mais extremos para tentar impor a sua precária
autoridade ou para marcar distâncias, incluindo a utilização de violência tanto
com os seus irmãos mais novos como com os seus progenitores.
A resposta de que necessitam, por parte dos pais/cuidadores
deverá, no entanto, ser promotora do reequilíbrio emocional.
A clareza das regras e limites é
essencial para assegurar estes 3 grandes pilares da vida do adolescente.
Assim, nesta fase, é fundamental que os pais apostem
num aumento da flexibilidade das fronteiras e nas forma de expressar a
sua autoridade, de forma a manter a
harmonia familiar. È essencial distinguir e não confundir entre os pais
como autoridade de pais autoritários.
O respeito e os limites estão ultrapassados quando entramos no campo da violência familiar.
A violência filio-parental, é um tipo de violência familiar e refere-se a
comportamentos de violência física (agressões, empurrões, atirar objectos)
verbal (insultos repetidos, ameaças) ou não verbal (ameaças de agressão,
destruição de objectos apreciados) realizados de maneira repetida em relação a
um ou ambos os progenitores, ou aos adultos que ocupam o seu lugar,
Este
tipo de violência origina um enorme sofrimento e stress nas famílias, ao mesmo
tempo que podem representar o inicio de uma “carreira de agressor” nos jovens
que perpetuam este tipo de violência, necessitando por isso de uma resposta
específica por parte dos profissionais de saúde mental.
Que tipos de casos entre mau relacionamente
entre pais e filhos costuma receber nas suas consultas?
Existem
pedidos muito diversos e que vão desde os pequenos conflitos familiares entre
pais filhos, pais que não se sentem respeitados e que não conseguem fazer com
que os filhos cumpram as suas regras, muitos pais com dificuldades em lidar com
s processos de autonomia na adolescência dos seus filhos, aos casos de
violência entre pais e filhos e de referir que são cada vez mais frequentes.
Por
que muitos pais não conseguem ganhar respeito dos seus filhos? Quais os quadros
familiares associados a este tipo de relação?
As dificuldades dos pais em ganharem o respeito dos filhos estão fortemente associadas a praticas parentais pouco adequadas às necessidades dos filhos.
Os
conflitos, os problemas, e a Violência Filio-Parental são resultado de uma
interacção disfuncional entre os diferentes membros do sistema familiar em que
a psicopatologia aparece como expressão dessa disfuncionalidade. Esta violência
tem um sentido e uma função dentro da família que deve ser entendido e
decifrado.
Podemos
apontar os seguintes factores que favorecem o aparecimento da violência filio
parental:
·
Experiência familiar prévia de utilização da
violência para resolução de conflitos;
·
Violência familiar generalizada: todos contra
todos;
·
Pais não normativos “democráticos”,
excessivamente permissivos, que gostam dos seus filhos façam estes o que
fizerem;
·
Pais superprotectores por razões diversas: filho
muito desejado, tardio, frágil ou adoptado, dispostos a satisfazerem todos os
desejos dos seus filhos.
·
Relação “passional”, “fusional” entre um dos
progenitores e o filho;
·
Violência prévia dos pais entre si ou sobre o
filho;
·
Conflito intenso entre os pais;
·
Triangulação do filho.
·
Pais insatisfeitos com os seus papeis ou
verbalizações de que as suas vidas são vazias;
·
Inconsistência e desacordo entre os pais na
educação dos filhos;
·
Severidade desproporcionada dos castigos e dos
actos dos filhos;
·
Excessivo criticismo e intrusão por parte dos pais;
- Problemas de
hierarquia: pais que renunciam ao seu papel e recusam estabelecerem normas;
- A
ausência de uma clara definição hierárquica é a principal característica do
funcionamento destas famílias. A dificuldade em estabelecer normas e limites
são os pontos mais evidentes nestas famílias quando procuram ajuda.
Nestas
famílias é frequente encontrarmos situações em que um ou às vezes os dois
progenitores, abdicaram do seu papel parental, tendo deixado de se comportar
como pais.
Quais são os pensamentos/sentimentos mais
comuns nos pais perante este tipo de problema com os filhos?
A vergonha, a sensação de
fracasso enquanto pais, a desilusão e o sentimento de impotência face ao
problema são sentimentos comuns nestes pais.
Como devem reagir os pais quando os filhos
os agridem tanto psicologica e/ou fisicamente?
Quando chegamos a este ponto é muito difícil os pais, por si mesmos,
resolverem ou reverterem a situação. Muita coisa se danificou dentro de uns e
outros, as formas de relacionamento dentro da família estão “doentes” e a ajuda profissional nestes casos parece-me
essencial.
Porém , importa referir que o uso da força pelos pais, ou a
restituição da ordem ou do respeito
pelos mesmos meios ( a violência verbal
e física) não é de todo o caminho a seguir.
A resposta de que necessitam, por parte dos pais/cuidadores
deverá, no entanto, ser promotora do reequilíbrio emocional.
O adolescente/criança
ainda não é adulto, pelo que necessita de contar ainda com uma família que lhe
garanta as necessidades de afecto, de segurança e de estrutura.
Clarificar e definir regras e
limites é essencial para a organização emocional do jovem.
De referir porém, que com ajuda especializada, estes problemas
resolvem-se e a família pode reaprender a viver em harmonia.
Por que muitos pais suportam ser mal tratados pelos seus filhos?
Nas
famílias com Violência Filio-Parental a imagem familiar, tanto dos pais como
dos filhos encontra-se detiorada. A
sensação de fracasso dos pais na educação dos filhos, a vergonha que implica
ser agredido por um filho, impõe a necessidade de protecção da imagem familiar,
o que faz com que as famílias afectadas muitas vezes subestimem a agressão e
minimizem os seus efeitos, mesmo quando são públicos e evidentes. A
deterioração da situação familiar faz com que a família adopte comportamentos
de forma a apresentar uma imagem oposta, potenciando assim o Mito da Paz e da
Harmonia Familiar, muito frequente nestas famílias, mesmo quando no exterior já
se sabe. Para ocultar o que está acontecendo vai-se construindo um segredo
familiar: começa a evitar-se determinados temas, a deixar de falar de situações
e comportamentos que poderão por em causa o Mito.
A
negação da violência filio-parental , por parte dos pais, é praticamente uma norma e pode chegar a
extremos graves: toleram-se níveis elevados de agressividade durante um período
prolongado de tempo antes de se tomarem medidas .
Existem muitos filhos que culpam os seus pais pela falta de sucesso na sua vida
e consideram que é obrigação dos pais ajudá-los incondicionalmente.
Como
devem os pais contrariar esta pressão dos filhos?
Os filhos pedem… cabe aos pais dizer tranquilamente, sem culpas, que
não podem! Os filhos fazem pressão, quando sabem que ao fim de algum tempo de pressão
conseguem alcançar os seus objectivos. Quando perceberem quer não conseguem
nada com pressão, acabam por abandonar essa estratégia. Assim sendo, a
consistência e coerência das regras, pelos pais é fundamental! Não podem dizer
que não a algo, e depois sim, sem nenhuma razão justificativa para essa mudança
de opinião. E não devem sentir-se culpados por dizer não aos filhos! Os pais
podem até não ter feito tudo como deviam, mas fizeram aquilo que sabiam e
acharam melhor, mas a partir de certa altura são os filhos, agora jovens
adultos, que passam a ser responsáveis por si próprios.
A culpa que os pais possam eventualmente
ter, por ter falhado algures, podem admiti-la, mas com a consciência de que não
a podem corrigir porque o tempo não volta atrás, e principalmente que não têm
de continuar a pagar essa culpa sob
chantagem e cedências à pressão
dos filhos.
A incapacidade de pais e filhos comunicarem, ou porque não falam a mesma
linguagem, ou porque não respeitam as crenças uns dos outros, entre outros,
podem algum dia ser ultrapassados?
Sim, sem dúvida que se podem ultrapassar essas diferenças. A terapia familiar
é fundamental no restabelecimento da harmonia familiar. Numa família, não têm
de pensar todos o mesmo, mas têm sobretudo de falar a mesma língua: a do
respeito e admiração pela individualidade de cada um.
Entrevista cedida por Maria de Jesus Candeias, Psicóloga clínica e Psicoterapeuta, para o Portal Sapo Saúde , Setembro 2012