Entrevista cedida pela Dra. Maria de Jesus Candeias à Revista Activa, Junho 2014.
Socorro!
Tenho um adolescente em casa!
Afinal
, o que mais preocupa os pais de adolescentes? É assim tão complicado ter um
filho nos ‘teens’? Pedimos a algumas mães que nos expusessem as suas maiores angústias,
e a uma psicóloga que respondesse.
A
adolescência é a idade dos namoros, das saídas, das respostas parvas, das míni saias...
É preciso entrar em pânico ou estamos a fazer um bom trabalho? Maria de Jesus
Candeias, psicóloga clínica e diretora da clínica ‘Crescer’, respondeu a várias
perguntas e explicou porque é que, neste caso, todas as mães deviam ser... mães
adolescentes.
-
A adolescência é mesmo uma fase complicada?
Nem
sempre. A adolescência é um processo normal, com vários desafios que os jovens
precisam de correr, mas não é necessariamente um período perturbado.
-
O mundo está mesmo mais perigoso?
Acho
que há dois lados: a liberdade dos jovens aumentou o acesso a muitos perigos,
mas também noto que há uma grande dramatização da realidade. Há coisas que passam
como se fossem realidade mas são apenas situações pontuais. Portanto, temos de
ter os cuidados básicos mas sem exagerar.
-
13 anos é demasiado novo para sair à noite?
É.
Os pais têm de manter a autoridade até ao limite, e os jovens só são
responsáveis por si próprios aos 18 anos. Sei que há muitos jovens a sair com
13 anos, mas para mim é impensável deixar alguém sair antes dos 16. Os pais têm
de ter consciência de que estes limites não são impostos por acaso: uma criança
com 13 anos ainda não se sabe defender. E os pais têm de perceber que são
responsáveis pelos filhos, mesmos que eles protestem. Claro que os adolescentes
também protestam mais quando sentem que há margem para isso... Portanto, os
pais devem ir estabelecendo metas progressivas de conquista de liberdade e
confiança.
Devo
ir buscá-lo à discoteca?
Nas
primeiras vezes. Os pais devem assegurar-se de que eles voltam em segurança
para casa. Têm de saber como vão, com quem vão, como voltam. Conhecer os amigos
é muito importante. É normal que os jovens não gostem que os pais os vão
buscar, por isso nas primeiras saídas pode-se combinar com eles algum lugar de
encontro, por exemplo. Porque eles dizem que não gostam mas também se sentem
protegidos. Depois gradualmente pode-se deixá-los vir pelos seus próprios
meios, se se vir que merecem confiança e cumprem os horários de entrada.
-
Devem ter mesada?
Acho
que sim. A mesada é muito importante no sentido da responsabilização e de
ensinar a criança e depois o adolescente a fazer a sua gestão e a tornar-se autónomo, mas a quantia deve variar em função da idade, das possibilidades da
família e daquilo que o adolescente precisa de gastar por mês. Dizer ‘dou-lhe
20 euros porque sim’, é irrealista e não vai ensiná-lo a gerir nada. Claro que
dar-lhe dinheiro a mais que lhe permita comprar tudo o que quer também não vai
ensiná-lo a poupar, a fazer escolhas, a perceber que para ter algumas coisas
não pode ter outras.
- As notas da minha filha baixaram muito porque
anda demasiado ocupada com os namorados. O que é que posso fazer?
Isso
é absolutamente normal. Os pais stressam imenso quando as notas baixam, mas têm
de perceber que é uma fase absolutamente natural e que o adolescente tem nessa
altura mais com que se preocupar... Os pais não devem dramatizar, porque, se
não se fizer um grande drama, há ali um ano ou dois em baixo mas depois as
coisas normalizam. Se der demasiada importância à situação, isto pode resultar
num problema difícil de resolver.
-
Vi a minha filha beijar um rapaz. Devo contar ao meu marido ou não?
Ainda
temos muitos preconceitos em relação à sexualidade das raparigas. Se for um
rapaz, achamos que faz muito bem e que já está um homenzinho, se é uma rapariga
ficamos em pânico. Acho que não há mal nenhum em partilhar com o marido o
desenvolvimento de um filho – mas se já se sabe que isso vai criar tensão, a
própria mãe tem de gerir isso. Aliás, não há nada que possa fazer...
-
Devo levá-la ao ginecologista?
A
mãe deve marcar uma consulta e perguntar à filha: queres que a mãe vá contigo
ou preferes ir sozinha? É importante explicar-lhe que tal não servirá
necessariamente para iniciar a sua vida sexual mas para ver se está tudo bem.
Além dos ginecologistas também há consultas de apoio nos centros de saúde com
técnicos que falam com eles mais à vontade. Portanto, não precisam de ser os
pais a ter estas conversas com os filhos, mas podem encaminhá-los. Se bem que
hoje em dia os jovens têm muito mais acesso à informação.
- É possível educá-los para resistir ao bullying?
Educá-los
para resistir é difícil, porque as vítimas de bullying têm características
muito próprias ligadas à timidez, ao medo, à falta de autoestima, que as levam
a estar nestas situações. Não se pode dizer-lhes ‘reajam’ ou ‘não tenham medo’
ou ‘não ligues’, porque é óbvio que a natureza deles não os autoriza a fazê-lo.
Portanto, é importante estar atento ao comportamento deles, dizer-lhes que essas
situações não acontecem só a eles, e alertá-los para pedirem ajuda se tiverem
algum problema, porque o segredo e a vergonha impedem-nos muitas vezes de serem
auxiliados.
-
Como afastá-los das más influências?
Geralmente,
os jovens procuram os seus iguais. Portanto, eles procuram pessoas com as quais
se identifiquem e se sintam bem. Ou eles próprios se sentem à margem na família
e procuram alguém nas mesmas condições, ou vão escolher amigos com o mesmo tipo
de valores. Os jovens procuram-se segundo uma atração pelo mesmo. Se um jovem
for muito estruturado, procura pessoas igualmente sólidas. Se está menos
estruturado ou tem curiosidade por outro tipo de comportamentos, irá procurar
pessoas que depois podem potenciar situações menos saudáveis... Mas ele é que
fará a sua escolha.
-
A minha filha de 15 anos teima em usar saias mesmo curtas. Faço o quê?
Nada.
A adolescência passa por essa exibição do corpo e o assumir da sexualidade.
Elas precisam de se sentir desejáveis, e de mostrar que já não são crianças.
Novamente, temos dificuldade em lidar com a sexualidade dos jovens,
principalmente das raparigas. E novamente, temos de as respeitar e recordar a
adolescente que fomos. O problema dos adultos é que muitas vezes se esquecem da
sua própria experiência de juventude...
Ora os filhos têm de passar pelos mesmos processos, embora os tempos
sejam outros. E os pais deviam recordar essa experiência para poderem ser,
olhe, pais adolescentes (risos).
- A prevenção funciona, ou por mais que se
avise, eles vão sempre fazer o que os amigos fazem, por mais estúpido ou
perigoso que seja?
É
possível resistir à pressão de grupo, mas essa pressão pode tornar-se bastante
pesada. Se o jovem estiver num grupo saudável, terá menos problemas porque as
opções de cada um serão respeitadas. Mas grupos mais problemáticos acabam por
exercer mais pressão. Os pais podem falar disto com os filhos, e é importante
que os ajudem a não ter vergonha de ser quem são. Um jovem com autoestima
facilmente ultrapassa estas questões, mas se for mais inseguro pode ter mais
dificuldades.
- Com a mania que estão a crescer, cada vez
mais se esquivam a um contacto físico, um abraço, um beijo, mesmo o mais
básico. Devemos insistir ou esquecer?
Devemos
respeitar e dar-lhes espaço. Há um período em que eles precisam de mostrar que
já não são bebés e querem demarcar-se dos comportamentos infantis. Durante esse
período, não devemos insistir no contacto físico. Quando eles forem – ou se
sentirem – mais adultos, voltarão àquilo que são naturalmente: afetuosos ou
menos afetuosos...
CAIXA
Como
não perder o controlo das vidas deles?
“Mas
a ideia é mesmo essa: os filhos não são pertença dos pais...”, nota Maria de
Jesus Candeias. “Os filhos têm uma vida própria, uma luta própria, objetivos
próprios, não estão cá para fazerem o que nós queremos que eles façam, e isto
muitas vezes é confundido com pôr em causa a autoridade dos pais. Muitos pais
vivem isto como uma afronta, quando se trata apenas de os filhos terem opiniões
diferentes. Ou então, os pais veem como uma traição: agora gostam mais dos
amigos do que dos pais... Isto gera muitos mal-entendidos. Mas um jovem que
discute com os pais e luta pela sua autonomia é um jovem saudável.”
CAIXA
Se
eu lhe contar os erros que cometi, ele fará o mesmo?
“Ele
fará o que precisar de fazer. As mães têm de fazer o luto da criança que os
filhos foram e perceber que têm em mãos o fantástico desafio de transformar
aquelas pessoas em adultos saudáveis. Mas para isso os jovens têm de viver a
sua vida e cometer muitos erros. Os pais tentam muitas vezes poupar aos filhos
erros que eles próprios fizeram, mas as coisas não funcionam assim. O filho
terá de passar por tudo ele mesmo, tem de aprender a viver por conta própria,
tem de aprender a pensar sozinho e ganhar um sentido de exigência próprio e
interiorizado, sem estar a fazer alguma coisa porque outra pessoa acha que ele
deve.”
Entrevista cedida pela Dra. Maria de Jesus Candeias à Revista Activa, Junho 2014