O consumo de substâncias é um comportamento que tem acompanhado a história da humanidade, utilizando-se como um veículo para alcançar estados alterados de consciência, para contactar com o mundo do “mágico” e do desconhecido.
Obviamente, não se pode deixar de associar o consumo de drogas a severos problemas macroeconómicos, à saúde pública, às dificuldades de controlo social, a inevitáveis conflitos sociofamiliares e a inúmeras tragédias pessoais.
Se nos debruçarmos sobre a dimensão sociofamiliar e relacional das dependências, encontraremos diversos fatores de influência, que condicionam o comportamento aditivo. Estes fatores cruzam-se com as características particulares de cada indivíduo dependente e do seu sistema familiar, conferindo um significado específico e concreto ao consumo daquela pessoa.
Para melhor enquadrar uma pessoa que está dependente de uma substância química, deverá ter-se em conta a fase do ciclo vital em que esta se encontra:
Se se trata de um adolescente, o consumo coincide com o momento de construção da sua identidade, com a integração e aceitação no seu grupo de pares, com a sua necessidade de afirmação pessoal, etc. Não raras vezes isto significa demonstrar uma atitude de revolta ou mesmo uma “contra-relação” familiar. Se esta atitude não for “inteligentemente” contrariada e transformada, através dos fatores de proteção existentes no seio sociofamiliar do adolescente, o consumo continuado da substância poderá colidir com o desenvolvimento do jovem, originando-lhe uma instabilidade prolongada.
Se o indivíduo é adulto, a história de consumos poderá manter-se, em paralelo com a construção da sua própria família, devendo perceber-se, neste caso, de que forma é que a substância o “ajuda” a equilibrar o seu contexto sociofamiliar. Estamos, neste caso, a falar de uma pessoa que mantém uma relação “extraconjugal” com a substância, o que, com o tempo, poderá evoluir para um padrão de dependência descontrolado, afetando o casal, os filhos, o trabalho, etc.
Se o indivíduo é adulto, mas mantém uma relação dependente com sua família de origem, deverá buscar-se o significado do consumo nesse mesmo contexto. Se “fica” em casa, quiçá a pessoa dependente esteja a “servir” uma determinada função, no seio da sua família. Lealdades invisíveis, dificuldades relacionais não expressas ou outros fatores emocionais, poderão potenciar e perpetuar o comportamento aditivo.
Não podemos cair na armadilha de simplificar aquilo que é complexo: existem obviamente caraterísticas próprias e vulnerabilidades específicas em cada ser humano.
Cada indivíduo tem uma relação única com a sua substância de eleição e cada indivíduo se insere num contexto sociofamiliar particular, que potencia certos fatores de risco e certos fatores de proteção.
Falemos então de “interdependências”. Numa família com (inter)dependências, frequentemente encontramos sentimentos ambivalentes, muito difíceis de gerir.
Na família, a dependência tem, habitualmente, o significado de “separação”. Embora, paradoxalmente, acentue a dependência do indivíduo, pelas suas consequências inevitáveis, a substância ilícita separa a pessoa do seu mundo relacional real, transportando-a para um mundo que é inacessível aos que gostam dela. É uma ilusão de autonomia.
Através do comportamento aditivo, o indivíduo consegue expressar não só a sua agressividade e os seus sentimentos negativos, como também os sentimentos negativos que o resto da família tem dificuldade em expressar. Com o tempo, estes sentimentos cristalizam-se no sintoma e na pessoa sintomática, sendo que, na maioria das situações, o sintoma traduz o mundo inter-relacional de todo o sistema familiar.
As (inter) dependências implicam um padrão de afastamento-aproximação sistemático, cíclico, inscrito numa teia de emoções ambivalente e difícil de harmonizar.
É neste contexto que a intervenção familiar sistémica pode ajudar a lutar contra o problema: na co-construção responsável de uma nova história individual e familiar, livre da substância.
Na reflexão partilhada sobre as relações familiares, como se se tratasse de olhar para uma fotografia de satélite. A presença de toda a família é fundamental para reescrever esta história, sendo que o grande objetivo terapêutico é a superação da dependência que tem afetado não apenas ao indivíduo sintomático, mas a todos.
Para alcançar a plena INdependência, é importante contar com uma teia de relações saudável e potenciadora de crescimento e satisfação pessoal.
Por Dra. Dora Rebelo, Psicóloga Clínica, Terapeuta Familiar.
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